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A segurança hídrica no Brasil tem sido muito desafiada nos últimos anos, pela escassez de abastecimento, notadamente no ano de 2014, ou pelas crises de hidroeletricidade em 2002 e que se repetiu em 2021 e pelos recorrentes eventos extremos, tendo como causa a variabilidade climática, e possivelmente intervenções antrópicas que regulam o ciclo hidrológico em áreas rurais e urbanas.

O entendimento e o monitoramento do ciclo hidrológico são procedimentos que aperfeiçoam a gestão do risco hídrico ao integrar evapotranspiração, captação, infiltração de água, e heterogeneidade da cobertura vegetal e manejo do solo.

As áreas irrigadas encontram-se em processo de expansão no Brasil, devendo atender à demanda de produção de alimentos com a projeção de aumento populacional, mas sofre pressão da sociedade em função do grande volume de água captado, principalmente em ocasiões de escassez hídrica e adversidades climáticas.

Tratar a segurança hídrica em agricultura irrigada vai além de acesso adequado à água para atender o consumo e conservação, inclui uma irrigação eficiente, com água na quantidade e no momento certos que priorize o monitoramento e o manejo de irrigação continuamente no ciclo de cultivo. O planejamento agrícola em áreas irrigadas deve ser feito com informações confiáveis e previsões climáticas que assegurem produção com sustentabilidade dos recursos naturais. Um aspecto importante a considerar refere-se às tendências e projeções climáticas futuras, que podem alterar os padrões de chuva, da disponibilidade hídrica na superfície e da produtividade agrícola. Portanto, a capacidade de lidar com a escassez ou o excesso de água será crucial nos esforços para se garantir a sustentabilidade, a produção agrícola e a segurança hídrica.

Em termos de infraestrutura, será imprescindível disponibilizar reservatórios e infraestrutura de abastecimento para atender os critérios de outorga de captação hídrica e de demanda de irrigação. É importante ressaltar que a demanda hídrica para irrigação não é linearmente proporcional às áreas irrigadas, já que a necessidade de água depende da cultura, do clima local e do tipo de manejo adotado. Com potencial crescimento das áreas irrigadas, haverá necessidade de aumentar as formas de captações de água, que pode ser feita com a criação de reservatórios artificiais, por meio de barramento em curso d’água permanente ou temporário ou ainda em reservatórios construídos, com alimentação via bombeamento, sendo caracterizados não como barragens propriamente ditas, mas como tanques de armazenamento. Logo, torna-se premente ações de segurança hídrica para atender a capacidade de armazenamento de água para as áreas irrigadas, dentre as quais ampliação e distribuição de reservatórios para fomento e atendimento às áreas irrigadas nas bacias hidrográficas.

Outro ponto a acrescentar em relação a infraestrutura de abastecimento são possíveis vazamentos ou perdas de água de difícil identificação e mapeamento que ocorrem em canais e barramentos. Embora mais comuns do que se imagina, visto que são pouco visíveis, as infiltrações em barramentos podem evoluir para grandes vazamentos e erosões. Esses fatores podem trazer diversos problemas, como perda de água e aumento de custos, e, ainda, colocar em risco toda a infraestrutura dos projetos de irrigação.

Nesse contexto, juntamente com um grupo de pesquisadores das áreas de geologia, geofísica, agronomia e engenharia agrícola, no escopo de projeto FAPESP denominado Centro de Ciência para o Desenvolvimento intitulado Segurança Hídrica e Alimentar em Zonas Críticas, estudos recentes estão sendo realizados para avaliar perdas ou infiltração de água nos barramentos durante eventos de irrigação em bacias críticas no estado de São Paulo (Figura 1). O estudo baseia-se na injeção de correntes elétricas, que pela diferença entre potenciais medidos nos eletrodos permite obter a resistividade elétrica aparente média dos materiais perpassados pela corrente, e então gerar imagens das variações de resistividade. Após análises criteriosas são apontadas áreas de baixa resistividade e são mapeadas as zonas de fluxos de água ou de umidade. Embora ainda em fase preliminar, os resultados são bem promissores no sentido de detectar problemas de infiltração e perda de água em barramentos.

Figura 1. Avaliação de infiltração em barramento. Foto: Jane Maria de Carvalho Silveira

Existe um forte nexo entre segurança hídrica e segurança alimentar, tornando essenciais o uso eficiente da água pela cultura associado à adoção de métodos de irrigação adequados. Neste contexto, pressupõe um projeto da área irrigada bem elaborado, no qual seja escolhido o sistema de irrigação que melhor se adapte às condições de relevo, solo, clima, planta e disponibilidade hídrica tanto quantitativamente como qualitativamente. Pode ser utilizada desde uma irrigação por superfície, aspersão convencional, pivô central, microaspersão e gotejamento até as tendências mais recentes como o gotejamento subterrâneo.

Além da escolha do sistema de irrigação mais adequado, adotar práticas conservacionistas em áreas irrigadas aumentam a eficiência de uso da água pelas culturas e contribuem com a segurança hídrica. Notadamente, preparo convencional repetitivos, com utilização de arado e grade, expõe o solo a processos erosivos, com perda de nutrientes e matéria orgânica, compactação do solo e inclusive aumento de temperatura superficial pela radiação direta; consequentemente, haverá redução da fertilidade do solo e da disponibilidade de água para irrigação das culturas. Atrelar sistemas conservacionistas como revolvimento mínimo do solo, utilização de cobertura vegetal ou de resíduos vegetais na superfície do solo e rotação de culturas são recomendados nas áreas irrigadas. A utilização dessas técnicas permitirá maior controle da erosão, dessalinização, redução da evaporação e aumento da infiltração e da capacidade de retenção da água no solo, tornando a irrigação mais eficiente no uso da água. Nessa mesma linha de raciocínio, deve ser avaliado e incluído, se necessário, o projeto de drenagem em áreas irrigadas, tema que foi muito bem abordado recentemente na plataforma wikirriga.

O manejo da irrigação propriamente dito, que consiste na determinação do momento, da quantidade e de como aplicar a água está diretamente ligado a segurança hídrica. Uma das formas mais empregadas de manejo da irrigação é por meio de balanço hídrico, que contabiliza os fluxos de entrada e saída do volume explorado pelas raízes das plantas. Quando se associa a determinação do balanço hídrico com métodos de monitoramento de água no solo, o manejo da irrigação torna-se mais preciso e tem levado a bons resultados.

O manejo de água no solo pode ser feito por diferentes tipos de sensores disponíveis no mercado. O tensiômetro ainda é bastante utilizado, pois determina o potencial matricial da água no solo, trabalhando na faixa úmida da curva de retenção de água no solo (até 0,08 MPa). Para exemplificar importância de manejo de irrigação e utilização de sistemas conservacionistas, apresenta-se na Tabela 1 um resumo de dados do manejo da irrigação na cultura da cebola sob irrigação por pivô central e gotejamento conforme estudos realizados por Branco et al. (2019) e Vilas Boas et al. (2011).

Tabela 1. Lâmina Bruta Total contabilizada no ciclo da cultura da cebola – LBT (lamina total de irrigação somada às precipitações ocorridas durante o ciclo), lâmina média por irrigação (LMI), número de irrigações (NI), produtividade total de bulbos (PTB) e eficiência do uso da água (EUA).

Sistema adotado LBT LMI NI PTB EUA
mm Kg.ha-1 Kg.ha-1.mm-1
Pivô central, sistema conservacionista com palhada de Braquiaria 400 5,4 42 103000 257 Branco et al., 2019
Pivô central, sistema conservacionista  com palhada de Milheto 534 6,2 54 82235 154
Gotejamento, sistema convencional 453 43 48000 107 Vilas Boas et al. (2011)

 

Observe que a eficiência de uso da água pela cultura da cebola, na mesma área e com sistema de irrigação por pivô central, variou conforme o tipo de cobertura de solo, ou seja, a braquiária foi mais eficiente do que o milheto com menor necessidade de irrigação e economia de água no ciclo da cebola. Importante ressaltar que o manejo adotado na área de pivô central foi feito com base nos dados climatológicos para determinação da evapotranspiração pelo método de Penman-Monteith associado ao monitoramento de tensiômetros nas profundidades de 15 e 30 centímetros do solo durante todo o ciclo.

Embora o estudo apresentado por Vilas Boas et al. (2011) tenha sido desenvolvido em uma região diferente, considerando a alta eficiência do sistema de irrigação por gotejamento, o número de irrigação no ciclo foi muito semelhante no pivô central com palhada de braquiária, entretanto a lâmina aplicada no ciclo foi maior, logo a eficiência de uso da água no gotejamento foi menor do que no sistema de pivô central, explicitando a importância de associação com sistemas conservacionistas.

Estabelecer formas sustentáveis e capazes de melhorar a eficiência do uso da água são tão importantes quanto o conhecimento sobre a demanda hídrica da cultura a ser irrigada, seja para irrigação de hortaliças, olericultura, grãos, frutas, cana-de açúcar e café. A segurança hídrica em agricultura irrigada é bastante complexa, exige ações locais, mas também depende de políticas públicas para evitar no futuro, conflitos pelo uso da água que comprometam o equilíbrio e bem-estar social.

 

Referências
  • 1. BRANCO, R. B. F.; HIRATA, A. C. S.; PURQUERIO, L. F. V.; FACTOR, T. L.; LIMA JUNIOR, S.; SILVEIRA, J. M. C.; TIVELLI, S. W. Manejo conservacionista do solo no cultivo de olerícolas. In: Bertol, I; De Maria, I. C.; Souza, L. S.. (Org.). Manejo e conservação do solo e da água. 1ed.Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 2019, v. 1, p. 1119-1161.
  • 2. Vilas Boas R, Pereira GM, Souza RJ, Consoni R. Desempenho de cultivares de cebola em função do manejo da irrigação por gotejamento. Rev Bras Eng Agr Amb. 2011;15:117-24.

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