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Sistemas de irrigação por superfície

Criado em 14/06/2023 (editado em 12/07/2023)

Esses sistemas prevalecem com razoável predominância na maior parte das áreas irrigadas do mundo, com diferentes graus de desenvolvimento tecnológico. Como principais características destacam-se o reduzido custo de investimento e operacional, o consumo de energia reduzido ou inexistente, a adaptação às principais culturas anuais ou perenes, e a acentuada dependência às condições da superfície e do próprio solo.

Diferentemente dos sistemas pressurizados (aspersão, microaspersão e gotejamento) requerem informações precisas da topografia e das características do solo, particularmente a infiltração, condições que devem ser avaliadas criteriosamente em cada condição.

Basicamente duas formas de aplicação de água na superfície do solo caracterizam os principais representantes desses sistemas: a inundação total da superfície, procurando manter uma lâmina líquida durante a maior parte do desenvolvimento da cultura, geralmente arroz, e aplicação de água em sulcos executados lateralmente às culturas irrigadas, procurando repor a quantidade de água requerida pela cultura em cada irrigação.

A inundação da superfície requer condições topográficas relativamente planas e solos com reduzida infiltração para reduzir as perdas de água por percolação. Há a exigência de associar um sistema de drenagem capaz de remover o excesso de água nos momentos determinados pela cultura.

A forma usual de implantação consiste em identificar parcelas topograficamente semelhantes para definir os talhões que retém a lâmina líquida requerida pela cultura, através de pequenas elevações executadas na superfície do solo (taipas). O cálculo da dotação hídrica requerida pelo projeto deve considerar a evapotranspiração somada às inevitáveis perdas por percolação. Valores usuais observados variam em torno de 1 L/s por hectare, que corresponde a 8,64 mm/dia, consideravelmente acima dos valores da evapotranspiração de referência local.

Com maior potencial de aplicação, destaca-se o sistema por sulcos, mais tolerante em relação às condições topográficas e características do solo. A distribuição da água na área irrigada resulta da energia associada à gravidade, em pequenos canais condutores, em geral, executados mecanicamente, na superfície do solo. Representa um dos mais antigos e difundidos sistemas, prevalecendo em grande parte das áreas irrigadas do mundo. Pode se constituir em conveniente e oportuna alternativa de irrigação para áreas mais reduzidas e ausência ou restrição de energia elétrica. Características adicionais desse sistema podem ser assim resumidas:

  • Em geral, revela um custo total reduzido (soma de custos fixos e variáveis) razão principal de sua predominância nas áreas irrigadas em várias regiões do mundo (Figura 1). Solos argilosos e topografias planas permitem aumentar o comprimento dos sulcos e reduzir custos.
  • Dispensa a pressurização da água, ou o próprio bombeamento, caso a cota do manancial esteja um pouco acima daquela da área a ser irrigada.
  • Aplicável à maioria das culturas, desde que tenham sido instaladas com a previsão de serem irrigadas por sulcos, ou seja, deve haver um pequeno desnível, em geral entre 0,5 e 1%, relativamente uniforme na direção das linhas de plantio (Figura 2). Em solos com razão de infiltração e comprimentos reduzidos, pode-se adotar a execução em nível. A tubulação aplicadora de água pode ser sucessivamente deslocada na área irrigada, reduzindo o custo de investimento do sistema.
  • Em culturas razoavelmente espaçadas, como pomares em geral, cafezais, etc., os sulcos devem estar próximos às plantas cultivadas e, portanto, o sistema assume características de irrigação localizada, com grande economia de água, comparado aos sistemas por aspersão e mesmo microaspersão (Figura 3).
  • Pequena dependência à qualidade da água, podendo utilizar águas superficiais poluídas ou residuárias, sem tratamento ou filtragem, em geral não comprometendo a qualidade da produção, mesmo para o consumo in natura, pois não há contato com a vegetação. Águas com material orgânico beneficiam as características físicas e químicas do solo e favorecem a nutrição vegetal com economia de fertilizantes minerais e orgânicos. Esta possibilidade resulta em um reconhecido efeito mitigador. Entretanto, deve-se evitar águas exibindo concentrações prejudiciais de poluentes à água, ao solo ou à cultura.
  • Possibilita a aplicação de agroquímicos (fertilizantes, corretivos e agrotóxicos de solo) com facilidade na água de irrigação, empregando equipamento de baixo custo e reduzida possibilidade de obstrução. A exigência de solubilidade é menor que em outros sistemas e, portanto, os fertilizantes são mais baratos. Mesmo em suspensão ou orgânicos, podem ser aplicados, com sucesso, na água de irrigação (Figura 4).
  • Não interfere nos tratamentos fitossanitários desenvolvidos na parte aérea da cultura. Portanto, não haverá lixiviação de agroquímicos aplicados, como ocorre na irrigação por aspersão.
  • Acentuada dependência à topografia, podendo requerer sistematização da superfície, para assegurar uma declividade uniforme na direção do escoamento e favorecer a uniformidade de distribuição de água na área irrigada.
  • Inadequado para solos rasos, pedregosos ou excessivamente permeáveis que podem dificultar a instalação ou provocar perdas significativas de água por percolação.
  • Parâmetros hidráulicos variáveis com as sucessivas irrigações, que podem promover modificações na condição superficial e nas características de infiltração, requerendo medidas corretivas na vazão e/ou no período de aplicação de água, para assegurar níveis satisfatórios de desempenho.
  • Dificuldades para operação noturna e automação, quando comparado aos sistemas pressurizados.
  • Limitada divulgação por não envolver interesses comerciais, dificultando a aceitação, discussão e solução de muitos problemas técnicos ou práticos. O número de usuários no Brasil é reduzido e disperso, provavelmente por desconhecimento das potencialidades do sistema.
  • Requer orientação técnica para o dimensionamento, operação e manejo das irrigações. Entretanto, essas informações são facilmente assimiladas pelos irrigantes que, através da inevitável interação com o sistema de irrigação, tornam-se competentes gestores dessa tecnologia.

 Preparo da superfície

O sucesso da irrigação por sulcos depende da uniformidade da superfície para assegurar um escoamento satisfatório, sem provocar arrastamento de partículas do solo. Quando necessária, a sistematização executada por equipamentos mecanizados deve ser orientada por procedimentos de cálculos específicos (Scaloppi e Willardson, 1986 ou Scaloppi, 2003). Topografias relativamente uniformes podem ser ajustadas por simples regularizações executadas por plainas tracionadas. O sistema pode ser configurado em linhas retas ou em contorno, de acordo com a condição topográfica local.

O processo de irrigação

O conceito de irrigação de baixo custo envolve importantes modificações nos conceitos clássicos associados ao dimensionamento e operação de sistemas tradicionais. Em consequência, o processo de irrigação por sulcos resume-se apenas às fases de avanço e recesso da água na superfície de escoamento. Portanto, para cada ponto inserido no comprimento do sulco, a diferença entre o tempo de recesso (quando a água desaparece da superfície) e o de avanço (quando a água atinge aquele ponto) determina o período de infiltração. Períodos de infiltração semelhantes, associados a pequenas variações no perímetro molhado dos sulcos ao longo do comprimento, favorecem a uniformidade de distribuição de água.

Deve-se considerar que a razão de infiltração em solos agrícolas diminui com o tempo, tornando-se mais significativa com o aumento do período de aplicação de água. Assim, diferenças no tempo de infiltração não resultam em diferenças proporcionais nas quantidades infiltradas ao longo do comprimento dos sulcos, condição que deve favorecer a uniformidade de distribuição de água na área irrigada.

A determinação de equações simples para representar o processo de infiltração em sulcos, nas condições onde as irrigações são praticadas, é fundamental para o dimensionamento e avaliação desse sistema e, portanto, deve ser criteriosamente executada. Aos interessados, recomenda-se consultar o trabalho publicado por Scaloppi et al. (1995).

Dimensionamento

É importante destacar que a presente proposta não considera a ocorrência de deflúvio superficial no final dos sulcos. Assim, neste local recomenda-se interromper o escoamento com a execução de diques que devem contribuir para aumentar a uniformidade de distribuição de água, além de eliminar a presença de drenos superficiais. Havendo continuidades da área irrigada, os diques devem ser eliminados para permitir o escoamento ao próximo talhão, que mesmo sendo reduzido, irá contribuir para aumentar a eficiência de aplicação na sequência operacional adotada.

O objetivo do dimensionamento consiste em proporcionar 1/3 da área com percolação controlada, 1/3 recebendo quantidades aproximadas daquela requerida e 1/3 com diferentes graus de deficiência hídrica intencional, procurando explorar as potencialidades reconhecidas da irrigação deficitária e aproveitamento de chuvas eventuais. Este procedimento dimensional não deve comprometer a qualidade ambiental.

Com a finalidade de reduzir custos sem comprometer o desempenho das irrigações, recomenda-se adotar a aplicação de água aos sulcos no regime de vazões gradativamente reduzidas. Tipicamente, este procedimento envolve a instalação de uma tubulação tendo 100 mm de diâmetro, especificada para esgotamento sanitário, na direção transversal da área, desde que a declividade não exceda valores inadequados, superiores a cerca de 3% ou inferiores a 0,5%. Nesses casos, deve-se apoiar a tubulação em suportes, conferindo declividades uniformes em torno de 1% (Figura 5).

Esta tubulação deve apresentar orifícios alinhados para derivações de água aos sulcos, perfurados com broca circular, cujo diâmetro deve ser determinado em ensaios de desempenho. Em condições típicas, o diâmetro usual é 3 cm.

Uma caixa com capacidade em torno de 50 L deve receber a vazão do projeto que será encaminhada à tubulação. Para assegurar a derivação de água aos sulcos, é necessário instalar um obstáculo no interior da tubulação (plugue) que pode ser confeccionado com artefatos simples, como a parte superior de uma garrafa PET de 2 L, conectado à caixa de recepção através de uma linha de nylon presa à um carretel com trava instalado na parede do reservatório (Figuras 5 e 6). A pressão hidrostática exercida no plugue promove seu deslocamento no interior da tubulação, a cada intervalo de tempo definido pela operação do sistema de irrigação.

Maiores detalhes sobre o dimensionamento e a avaliação do desempenho desse sistema podem ser obtidos em Scaloppi (2021).

Considerações finais

Diferentemente dos sistemas pressurizados, nos quais o comportamento do escoamento hidráulico em tubulações e acessórios é conhecido há décadas, o desempenho satisfatório da irrigação por sulcos depende de avaliações locais e oportunas do escoamento superficial com infiltração variável com o espaço e o tempo, em seções transversais geometricamente indefinidas e muitas vezes modificadas pelo escoamento. Por outro lado, a experiência tem demonstrado que a prática da irrigação pelos irrigantes conduz a um aprendizado que, mesmo sendo empírico, os torna competentes gestores dessa tecnologia. A inclusão de aspectos teóricos e práticos desse sistema em disciplinas de graduação e pós-graduação, bem como a instalação de áreas experimentais em locais estratégicos, com finalidades demonstrativas, poderia contribuir decisivamente para recomendar esta vantajosa opção técnica-econômica para a agricultura irrigada nacional. O dimensionamento de canais adutores sem infiltração com seções usuais de escoamento, canais extravasores, além de estruturas para conservação da água e do solo, constituem efeitos colaterais positivos dessa aprendizagem.

Figura 1. Irrigação em sulcos alternados, com redução de água e energia, em algodoeiro nos Estados Unidos. (Crédito: Alamy Stock Photo).

Figura 2. Sistema de irrigação de baixo custo por sulcos com 180 m de comprimento. 

Figura 3. Irrigação de baixo custo por sulcos em diferentes culturas.

Figura 4. Dispositivo de quimigação de baixo custo. Fertilizantes orgânicos devem ser aplicados diretamente no reservatório.

Figura 5. Reservatório de recepção e distribuição de água à tubulação com orifícios para derivação aos sulcos.

Figura 6. Detalhe da parte de uma garrafa PET para atuar como um plug no interior da tubulação e promover a saída de água aos sulcos.

Referências
  • 1. Scaloppi, E.J., Willardson, L.S. 1986. Practica l land grading based on least  squares. J. Irrig. Drain. Engng., ASCE, New York, v.112, n.2, p.98-109.
  • 2. Scaloppi, E.J. 2003. Sistematização da superfície para irrigação e drenagem. In: Miranda, J.H.& Pires, R.C.M. (eds.) Irrigação. Jaboticabal: Sociedade Brasileira de Engenharia Agrícola, p. 405-470. (Série Engenharia Agrícola, v.2).
  • 3. Scaloppi, E.J., Merkley, G.P., Willardson, L.S. 1995. Intake parameters from advance and wetting phases of surface irrigation. J. Irrig. Drain. Engng., ASCE, New York, v.121, n.1, p.57-70.
  • 4. Scaloppi, E.J. 2021. Irrigação de baixo custo por sulcos. Cap. 10. Paolinelli, A., Dourado Neto, D., Mantovani, E.C. (Organizadores). Diferentes abordagens da agricultura irrigada no Brasil, Livro 2 – Técnica e cultura, Editora USP, p.175-194.  

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